
Butiá me lembra de cachaça. A associação é imediata, a fruta dispara minha memória olfativa. O cheiro forte, o vidro grande no balcão do boteco, aquelas bolinhas amarelas boiando em um líquido claro. Meu pai era assíduo frequentador de botecos, dois ou três, de amigos, próximos de casa.
Na época, não havia o charme atual, quando botecos tomaram "banho de loja" e viraram moda. O pessoal bebia mesmo daqueles vidros coloridos por frutas e ervas misteriosas que davam sabores e aromas à caninha. Minha irmã e eu íamos junto. Era um lugar familiar. Conversas alegres entre amigos. Nós ali nos empanturrando de merenguinhos coloridos e outros doces que se perderam no tempo. Era o único lugar em que o pai permitia que comêssemos "porcaria" e enchêssemos a cara. Voltávamos para casa bêbadas de refrigerante.
Minha mãe também tinha seus segredos. Na época em que os butiás pesavam nos galhos da vizinhança, ela fazia a infusão na cachaça. Minha irmã e eu, às escondidas, abríamos os vidros. Quase desmaiávamos com o cheiro e uma simples gota daquele líquido parecia que ia fazer nossas gargantas queimar no inferno como castigo pela pequena contravenção. Eu me perguntava por que os adultos gostavam daquilo, se a fruta sozinha era tão mais saborosa.
Meu pai trazia da casa de amigos sacos e sacos de butiá. A mãe separava um tanto para seus vidros de resultados inebriantes. A maior parte comíamos, roendo o caroço para aproveitar toda a polpa, sem deixar um fiapinho. Os carocinhos escuros deixávamos secando ao sol e depois usávamos para brincar, como se fossem contas, moedas, joias, bolitas, o que nossa imaginação demandasse.
Acho muito estranho e quase uma afronta que hoje tenha que comprar certas coisas. Laranja, bergamota, pera, araçá, goiaba, pitanga... butiá. Na fartura da vizinhança de minha infância, bastava destreza para subir no pé ou a boa vontade dos adultos para apanhá-las com varas, dependendo da altura da árvore. Sinto-me lesada quando vejo essas frutas no supermercado à venda, algumas a preços exorbitantes, tidas como exóticas.
Tudo isso me veio à mente quando, há algumas semanas, uma colega de trabalho, a Cida, levou-nos um saco de butiás. Aproveitei para comê-los gelados, saboreando aquele gosto da infância. Também foi a oportunidade para fazer uma receita inventada pela Ana Paula, fã confessa: musse de butiá. A aparência, a consistência, o gosto, a receita é toda ela perfeita. O único porém é a retirada da polpa; raspar o carocinho com uma faca exige paciência, mas vale a pena.
Ingredientes:
30 butiás maduros
1 lata de leite condensado
1 lata ou duas caixinhas de creme de leite
1 limão taiti
Modo de fazer:
1. Com uma faca, pegue os butiás e separe a polpa do caroço (se alguém tiver um método mais eficiente, por favor, avisa!).
2. Liquidifique o butiá. Se ficar muito difícil, junte uma ou duas colheres de água.
3. Passe a polpa por uma peneira, pressionando bem para extrair o máximo de líquido. Reserve.
4. No copo do liquidificador, bata o leite condensado e o creme de leite. Sempre batendo, adicione o limão, que vai dar consistência à musse, e o suco de butiá. Bata até a mistura ficar totalmente homogênea.
5. Coloque em um prato de sobremesa e leve à geladeira. Sirva gelado.
Dica: Você pode levar à geladeira diretamente em tacinhas, em porções individuais.